KaosArte

O Pasto da Koltura do KaosInTheGarden

Tuesday, February 28, 2006

O Carnaval vai passar

Carnaval, Lisboa - 1912




Vai Passar
Chico Buarque

Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais
Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval O carnaval, o carnaval
(Vai passar)
Palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
E os pigmeus do bulevar
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral
Vai passar
http://chicobuarque.letrasdemusicas.com.br/artista.php?id=851

Monday, February 27, 2006

Somos o mata-borrão do penico, mas o que está dito está dito

Esta semana, numa entrevista à Visão, António Lobo Antunes, ao ser confrontado com a razão pela qual não se costuma referir a “temas da actualidade”, respondeu:


Sinto que não devo usar uma página inteira de uma revista [refere-se às suas crónicas na Visão] para atacar pessoas, mas é evidente que às vezes me apetece escrever sobre esses temas. Nos últimos anos, a coisa que mais me espantou em Portugal foi o doutor Santana Lopes ter sido primeiro-ministro. Não quero falar muito porque não quero ter processos, mas como é que aquele homem com todo o seu cortejo chega a primeiro-ministro? (…) É uma figura tão pobre que nem sequer uma personagem de livro dava.
http://olivier.roller.free.fr/loboantunes.html

(Visão, 23/02/2006)

Pois é, ó Lobo Antunes, há penicos onde não apetece nada metermos as mãos. O pior é que, depois desse Carnaval que foi o governo de Santana Lopes, já deves ter tido muitos mais motivos com que te espantar: a vitória de Cavaco Silva, as vitórias de Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras, Isaltino Morais e outros bandos que tais. Tudo figuras muito pobres que, por acaso, não ficariam nada mal nos teus livros. Tu saberias como alimentá-las da sua própria pobreza, e nem terias muito trabalho a hiperbolizá-las pois já são monstruosas. Claro que não precisas de te referir a elas directamente. Para isso está cá o pessoal dos blogs que não tem pretensões a “grandes escritores”. Encontram-se todas essas características veladas no grotesco das personagens que tu, e muito bem, bem preferes inventar. Tu absorves a realidade e produzes seres abjectos que exprimem por si próprios esta realidade abjecta que nos contamina a todos. Como tu dizes sobre ti próprio, pela boca de uma dessas tuas personagens, na tua crónica O Grande Escritor – “Tenho lá um escritor que bebe o mundo como um mata-borrão”. Por isso o melhor é continuares sem meter as mãos no penico. Porque um “grande escritor” para o ser tem que ser livre, deve escrever aleatoriamente as suas crónicas com a anarquia que lhe apetecer, ninguém lhe pode "cobrar" que fale explicitamente sobre a realidade. Também aqui o fazemos, aleatoriamente à nossa maneira, metendo as mãos no penico. E cada vez temos menos medo de ter processos. Afinal, ao contrário de qualquer “grande escritor”, é a nossa condição “anónima” [não somos ninguém, ninguém se importa com o que dizemos] que nos faz sentir livres. E se ainda assim vier o tal processo, somos tão rascas, tão rascas, que não pagamos! Não pagamos! O pior que nos podem fazer é levarem-nos o computador, como fizeram aos jornalistas do 24 Horas. Mas o que foi dito, foi dito.

Sunday, February 26, 2006

LENINE: O mundo visto como um Quadro (muito) Negro

Quadro-Negro

Nos Sub-imundo Mundo Sub-humano
Aos Montes, Sob As Pontes, Sob o Sol
Sem Ar, Sem Horizonte, no Infortúnio
Sem Luz no Fim Do Túnel, Sem Farol
Sem-terra Se Transformam em Sem-teto
Pivetes Logo Se Tornam Pixotes
Meninas, Mini-xotas, Mini-putas, De Pequeninas Tetas Nos Decotes

Quem Vai Pagar a Conta? Quem Vai Lavar a Cruz?
O Último a Sair Do Breu, Acende a Luz

No Topo Da Pirâmide, Tirânica
Estúpida, Tapada Minoria
Cultiva Viva Como a Uma Flor
A Vespa Vesga Da Mesquinharia
Na Civilização Eis a Barbárie
É a Penúria Que Se Pronuncia
Com Sua Boca Oca, Sua Cárie
Ou Sua Raiva e Sua Revelia

Quem Vai Pagar a Conta? Quem Vai Lavar a Cruz?
O Último a Sair Do Breu, Acende a Luz

O Que Prometeu Não Cumpriu
O Fogo Apagou, a Luz Extinguiu.
(in Falange Canibal)


Quadro Negro, outra com Rennó, segue a linha canção-crônica, um retrato, bastante fiel a meu ver, do mundo de hoje. "O ultimo a sair do breu, acenda a luz...", é o mote que usamos para falar dos paradoxos, injustiças e contradições que povoam o nosso planeta. A harmonia do Lobatinho no Theremin deu aquele ar de filme noir. (palavras de Lenine sobre esta música)

Saturday, February 25, 2006

A Passagem das Horas

Em Portugal, como no resto da Europa, pintores e poetas tendiam a considerar as suas artes como manifestações totais, não diferenciadas, unindo-se em movimentos na procura comum de novas formas no devir das suas artes. As vanguardas tendem para o visualismo e as inquietações de ambos – pintores e poetas – revelam-se comuns.
Fernando Pessoa irá elevar o seu modo de expressão ao máximo expoente assumindo esteticamente a sua multiplicidade e desassossego e indo o mais longe que lhe foi possível na procura de novas formas de expressão [tal como simultaneamente Kandinsky fazia na pintura], criando teorias estéticas como o Sensacionismo.
O seu poema A Passagem das Horas, é uma ode sensacionista que Álvaro de Campos subscreve e dedica a Almada Negreiros; nela, Fernando Pessoa, exprime poeticamente a essência do Sensacionismo logo nos primeiros versos:

Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma cousa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento diffuso, profuso, completo e longinquo
(...)

Ao longo do poema, Pessoa exprime o seu eu múltiplo, o seu desejo total de experimentar e abarcar a realidade em todas as suas facetas para melhor poder exprimi-la. A própria forma do poema é totalmente livre, fruindo ao sabor da sensação do momento, não se deixando espartilhar por qualquer norma pré-estabelecida, rompendo com as formas do passado ao estilo próprio de um Álvaro de Campos futurista, numa desenfreada

(…)
Cavalgada desmantelada por cima de todos os cismos,
Cavalgada desarticulada por baixo de todos os poços,
Cavalgada vôo, cavalgada setta, cavalgada pensamento-relâmpago,
Cavalgada eu, cavalgada eu, cavalgada o universo-eu.
Helahoho-o-o-o-o-o-o ...

Kandinsky: A Arte como expressão do mundo

(Ravine Improvisation, 1914)

Antes da guerra, o diapasão era dramático. Época cheia de problemas, de pressentimentos, de interpretações várias e contradições, em que uma harmonização parecia menos oportuna - luta de tons, equilíbrio perdido, inesperados rufos de tambores, aspirações aparentemente sem rumo, ímpeto despedaçado... E a partir de tudo isto construir um todo que era o quadro.
A pintura procura «novas formas» e muito poucos sabem ainda que isto foi uma procura inconsciente de um novo conteúdo. Todas as épocas estão limitadas por uma medida de liberdade artística própria e nem a força mais genial ousa saltar por cima dos limites dessa liberdade. Mas essa medida tem que ser e é sempre esgotada. Que as forças rebeldes se revoltem como entenderem por mais que essa liberdade resista.
Desde 1914 que cresceu em mim o desejo de uma «serenidade fria» - nada de hirto, mas de frio, muito frio, às vezes tão frio como o gelo - num invólcro gelado, «recheios» a arder em brasa. Um disfarce... Debaixo do gelo corre às vezes água quente. A Natureza trabalha por meio de contrastes. - O meu desejo hoje é ir «mais longe! Mais longe». Polifonia, como diz o músico. - União interior pela desunião exterior, coesão através da dissolução e da dilaceração. No desassossego serenidade, na serenidade inquietação. O «processo» do quadro não deve desenrolar-se na superfície da tela, mas «algures» no espaço «ilusório». Da mentira (Abstracção!) deve falar a verdade. A verdade sã, que se chama «Eu estou aqui». Kandinsky (1866-1944)

Friday, February 24, 2006

Homenagem a Zeca Afonso

O Centro Cultural de Vila Flor, em Guimarães, programou para 24 e 25 de Fevereiro uma fundamental homenagem ao cantor Zeca Afonso: o programa conta com espectáculos, exposições e debates coordenados pelo músico José Mário Branco.

Thursday, February 23, 2006

Exposição Temporária de Frida Kahlo no CCB

(The Broken Column, 1944)

FRIDA KAHLO Vida e Obra
Comissária: Josefina Garcá Hernadez, Museu Dolores Olmedo, México
de 24 de Fevereiro a 21 de Maio 2006, de Terça-feira a Domingo, das 10h às 19h
Grande Hall do Centro de Exposições do CCB

“51 anos após a sua morte, Frida Kahlo (1907-1954) continua a exercer um enorme fascínio pela sua arte controversa, os seus amores difíceis e o seu sofrimento físico. Depois da Tate Modern de Londres e da Fundación Caixa Galicia, em Santiago de Compostela, é a vez de Lisboa receber a maior e mais completa exposição sobre Frida Kahlo realizada nas últimas décadas, com obras provenientes do Museu Dolores Olmedo, no México a colecção mais importante que existe no mundo sobre a genial artista mexicana.” (CCB)

GENI E O ZEPELIM



De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Co'os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo - Mudei de idéia
- Quando vi nesta cidade
- Tanto horror e iniquidade
- Resolvi tudo explodir
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela famosa dama
- Esta noite me servir
Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
Mas de fato, logo ela
Tão coitad e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
- e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni
Foram tantos os pedidos
Tão sinceros tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir
Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

(Letra e música: Chico Buarque
In: "Ópera do malandro" 1977-1978) (Pintura de Oscar Capeche)

Tuesday, February 21, 2006

Morreu Júlio Graça

O escritor neo-realista Júlio Graça, 82 anos, morreu hoje em Vila Franca de Xira. É autor de vários romances, alguns dos quais retratando a experiência fabril e os movimentos sociais da faixa industrial e rural ribeirinha do Tejo:

Nasceu em Vila Franca de Xira , 1923.
Poeta, novelista e romancista começou a publicar as suas obras nos anos 50.
Trabalhou desde cedo no meio fabril, o que influenciou toda a sua escrita, como é o caso do seu primeiro romance Buza.
Na década de 90, começou a colaborar regularmente com o Museu do Neo-Realismo.

Bibliografia selectiva:

· Lezíria (poesia), 1952

· Buza (romance), 1954

· Um palmo de Terra (romance), 1959

· Operários Falam , 1973

· Histórias de Prisão, 1975

Monday, February 20, 2006

A Máquina do Mundo


E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.
Carlos Drummond de Andrade


Este poema foi escolhido como o melhor poema brasileiro de todos os tempos por um grupo significativo de escritores e críticos, a pedido do caderno “
MAIS” (edição de 02-01-2000), publicado aos domingos pelo jornal “Folha de São Paulo”. Publicado originalmente no livro “Claro Enigma”, o texto acima foi extraído do livro “Nova Reunião”, José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1985, pág. 300

Sunday, February 19, 2006

Fernando Pessoa III


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Saturday, February 18, 2006

O Vinho, Néctar dos deuses - I


Vinho! Vinho em catadupas!
Vinho em taças sempre cheias
que ele me suba à cabeça
e me circule nas veias!

Silêncio! tudo é mentira,
dôlo, traição, falsidade,
apenas a voz do vinho
nos pode falar verdade.

O vinho é o mágico filtro
da alegria e da saúde
em seus eflúvios benditos
voltarás à juventude.

Bebe, sim, bebe sorrindo,
para que aproveites bem
os fugidios prazeres
que a tua vida contém.

Bebe! que importa a tristeza
que as nossas almas inverna?
Bebe e sonha, pois no vinho
alcançarás vida eterna!

Moralistas, bebo vinho
como a raiz do salgueiro
sorve, de dia e de noite,
a água clara do ribeiro.

Dizeis que Deus sabe tudo?
nesse caso já sabia,
quando me lançou no mundo
o vinho que eu beberia.

Hei-de abster-me de beber?
Isso seria provar
que a omnipotência divina
é susceptível de errar.

Mussulmano, bebe vinho
e resistirás, dest' arte,
às setenta e duas seitas
com que tentam algemar-te.

Bebe vinho e serás livre.
das garras do teu tormento,
pois o vinho é que conduz
ao oasis do Esquecimento.

Vinho! tudo o mais é efémero
nesta vida transitória...
e ainda há quem acalente
sonhos de amor e de glória!!

Porque não bebes? Que ideia
tão loucamente te ilude?
Evitarás de beber
para poupar a saúde?

Que ideia fazes do corpo
que nasceu para ter vícios?
Acaso, será poupá-lo,
impondo-lhe sacrifícios?

Omar Khayyam, poeta persa do século XI, excerto de ROBAIYAT (Livro de quadras)

Friday, February 17, 2006

O Operário em Construção

Operário, de Cândido Portinari

“E o Diabo, levando-o a um alto de um monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo: — Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu. E Jesus, respondendo, disse-lhe: — Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.” (Lucas, Cap. V, versículos 5-8)

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade

Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente

Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
— Garrafa, prato, facão —
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia

Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo

Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão.
Pois além do que sabia
— Exercer a profissão —
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:

A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte

Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
— “Convençam-no” do contrário — Disse ele sobre o operário

E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento

Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
— Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro de seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.

E o operário disse: Não!

— Loucura! — Gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
— Mentira! — disse o operário

Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Como o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
(Vinícios de Moraes)

Thursday, February 16, 2006

Fernando Pessoa II


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Tuesday, February 14, 2006

Quand on n' a que l' amour



Paroles et Musique: Jacques Brel 1956
autres interprètes: Dalida (1957), Star Academy (2001), Thierry Amiel (2003)

Quand on n'a que l'amour
A s'offrir en partage
Au jour du grand voyage
Qu'est notre grand amour

Quand on n'a que l'amour
Mon amour toi et moi
Pour qu'éclatent de joie
Chaque heure et chaque jour

Quand on n'a que l'amour
Pour vivre nos promesses
Sans nulle autre richesse
Que d'y croire toujours

Quand on n'a que l'amour
Pour meubler de merveilles
Et couvrir de soleil
La laideur des faubourgs

Quand on n'a que l'amour
Pour unique raison
Pour unique chanson
Et unique secours


Quand on n'a que l'amour
Pour habiller matin
Pauvres et malandrins
De manteaux de velours

Quand on n'a que l'amour
A offrir en prière
Pour les maux de la terre
En simple troubadour

Quand on n'a que l'amour
A offrir à ceux-là
Dont l'unique combat
Est de chercher le jour

Quand on n'a que l'amour
Pour tracer un chemin
Et forcer le destin
A chaque carrefour

Quand on n'a que l'amour
Pour parler aux canons
Et rien qu'une chanson
Pour convaincre un tambour

Alors sans avoir rien
Que la force d'aimer
Nous aurons dans nos mains,
Amis le monde entier

http://www.paroles.net/

Revolução Urbana


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Sunday, February 12, 2006

Ridículos Tiranos!


Podres poderes
Caetano Veloso

Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos
E perdem os verdes
Somos uns boçais

Queria querer gritar setecentas mil vezes
Como são lindos, como são lindos os burgueses
E os japoneses
Mas tudo é muito mais

Será que nunca faremos senão confirmar
A incompetência da América católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos?

Será, será que será que será que será
Será que essa minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir
Por mais zil anos?

Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Índios e padres e bichas, negros e mulheres
E adolescentes fazem o carnaval

Queria querer cantar afinado com eles
Silenciar em respeito ao seu transe, num êxtase
Ser indecente
Mas tudo é muito mau

Ou então cada paisano e cada capataz
Com sua burrice fará jorrar sangue demais
Nos pantanais, nas cidades, caatingas
E nos Gerais?

Será que apenas os hermetismos pascoais
Os tons, os mil tons, seus sons e seus dons geniais
Nos salvam, nos salvarão dessas trevas
E nada mais?

Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome, de raiva e de sede
São tantas vezes gestos naturais

Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo
Daqueles que velam pela alegria do mundo
Indo mais fundo
Tins e bens e tais

Saturday, February 11, 2006

Fernando Pessoa I


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Cristismos


Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

(...)

(Excerto do poema VIII - Num Meio Dia de Fim de Primavera, de O Guardador de Rebanhos de Rebanhos de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

Friday, February 10, 2006

25ª edição da ARCO - Madrid


Jesus com um míssil na mão perante soldados da infantaria alemã. Assim se descreve a obra de arte do madrileno Óscar Seco, que está a causar polémica na 25ª edição da ARCO, Feira de Arte Contemporânea de Madrid.
Esta obra vem lançar mais uma acendalha na discussão acesa que deflagrou com a publicação das caricaturas do profeta Maomé.
O autor não quis provocar ninguém. Aliás a peça estava acabada há vários meses e nem sequer está relacionada com a actual polémica.
O artista garante que «
em nenhum momento», quis ser «um contraponto das caricaturas de Maomé» e espera que a obra seja avaliada pelo que vale, como prova de que a arte contemporânea permanece inovadora.
«Esta obra tem mais que ver com o filme
«2001 - Odisseia no Espaço», de Kubrik e com a metáfora do poder como instrumento do bem ou do mal», disse Oscar Seco aos jornalistas.
in "Portugal Diário"

Prémios da World Press Photo

O fotógrafo canadense, Finbarr O´Reilly, da agência Reuters, fica em primeiro lugar com sua foto Mãe e Filho em um Centro de Alimentação.
Pode ver esta e as outras fotografias premiadas em:
World Press Photo

Tuesday, February 07, 2006

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Monday, February 06, 2006

Festival INJAZZ 2006


Depois do enorme sucesso obtido pela primeira edição, o «InJAZZ - Jazz em Português», o único festival de jazz itinerante dedicado ao jazz feito em Portugal, regressa em 2006 com um programa alargado a cinco cidades e três meses de concertos com alguns dos melhores músicos portugueses de jazz.
Mário Laginha, Carlos Bica, Hugo Alves e a Orquestra de Jazz de Matosinhos são os nomes escalados para três meses de espectáculos descentralizados de 3 de Fevereiro a 8 de Abril: Alcobaça, Faro, Torres Novas (todas em Fevereiro), Aveiro (Março) e Montemor-o-Velho (Março e Abril) serão as cinco cidades que irão receber o InJazz 2006.
Tal como na edição inaugural, os concertos serão acompanhados por workshops, feiras do discos, exposições e concertos didácticos, num programa a não perder cuidadosamente designado para divulgar a altíssima craveira do jazz português contemporâneo.

«Single» - Carlos Bica
Cine-Teatro de Alcobaça
Alcobaça [10-02-2006] 22h00

Mário Laginha Trio
Teatro Municipal de Faro
Faro [10-02-2006] 21h30

Orquestra de Jazz de Matosinhos - dirigida por Pedro Guedes e Carlos Azevedo
Cine-Teatro de Alcobaça
Alcobaça [11-02-2006] 22h00

«Single» - Carlos Bica
Cine-Teatro Virgínia
Torres Novas [11-02-2006] 21h30

Hugo Alves Taksi Trio (II)
Teatro Municipal de Faro
Faro [11-02-2006] 21h30

Mário Laginha Trio
Teatro Aveirense - Aveiro [10-03-2006] 21h30

Mário Laginha Trio
Cine-Teatro Virgínia - Torres Novas [18-02-2006] 21h30

Orquestra de Jazz de Matosinhos - dirigida por Pedro Guedes e Carlos Azevedo
Teatro Municipal de Faro - Faro [23-02-2006] 21h30

Hugo Alves Taksi Trio (II)
Teatro Aveirense
Aveiro [11-03-2006] 21h30

Orquestra de Jazz de Matosinhos - dirigida por Pedro Guedes e Carlos Azevedo
Teatro Aveirense
Aveiro [17-03-2006] 21h30

«Single» - Carlos Bica
Teatro Aveirense
Aveiro [18-03-2006] 21h30

«Single» - Carlos Bica
Teatro Municipal de Faro
Faro [24-03-2006] 21h30

Orquestra de Jazz de Matosinhos - dirigida por Pedro Guedes e Carlos Azevedo
Praça da República (Montemor-o-Velho)
Montemor-o-Velho [31-03-2006] 22h00

«Single» - Carlos Bica
Teatro Esther de Carvalho (TEC)
Montemor-o-Velho [01-04-2006] 22h00

Mário Laginha Trio
Castelo de Montemor-O-Velho
Montemor-o-Velho [08-04-2006] 22h00

Hugo Alves Taksi Trio (II)
Teatro Esther de Carvalho (TEC)
Montemor-o-Velho [07-04-2006] 22h00

See more on Tom Waits Lyrics





Well I got here at eight and I'll be here till two
I'll try my best to entertain you and
Please don't mind me if I get a bit crude
I'm your late night evening prostitute
So drink your martinis and stare at the moon
Don't mind me I'll continue to croon
Don't mind me if I get a bit loon
I'm your late night evening prostitute
And dance, have a good time
I'll continue to shine
Yes Dance, have a good time
Don't mind me if I slip upon a rhyme
Well I got here at eight and I'll be here till two
I'll try my best to entertain you and
Please don't mind me if I get a bit crude
I'm your late night evening prostitute
I'm your late night evening prostitute

©1991 Bizarre/
StraightAll selections by Tom Waits unless noted.

Saturday, February 04, 2006

Democracia em discussão


Steve Bell 2005

Discussão

- Desconfio que a democracia não resulta. Juntam-se astronautas, bodes,
camponeses, galinhas, matemáticos e virgens loucas e dão-se a todos os
mesmos direitos.
Isso parece-me um erro cósmico. Desculpa.

Desculpei mas fiquei ofendido. Que a democracia era aquilo mesmo, e ainda
com conversa fiada como brinde, isso sabia eu. Que mo viessem dizer,
era outra coisa.
Fiquei ainda mais ofendido, até porque não gosto de erros cósmicos.
Acho um snobismo.

- Eu sou democrático - rugi entre dentes, como resposta. - Tenho amigos no exílio,
todos democráticos.
Foram para lá por serem democráticos. É um sacrifício que poucos fazem,
ir para o exílio e ser professor universitário exilado e democrático.
Eras capaz de fazer isso ?

- Não sou democrático.

Não havia resposta a dar. nenhuma. Ele não era democrático, não
sabia de democracia.

Eu sim, sou democrático, até já quis ir à América, que me afirmaram que
lá é que é a democracia.

Recusaram-me o visto no passaporte, disseram que eu era comunista!
Viram isto ?

Mário Henrique Leiria
Contos do Gin-Tonic

Wednesday, February 01, 2006

desenho 111


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Mr. Inútil




Letra: Carlos Tê / Hélder Gonçalves
Pala-pala-palavra não sai
Pala-pala-pala-palavra não sai
chegou ao parlamento
para falar mas não fala
não é da primeira fila
está perdido na bancada
ergue a dedo, baixa o dedo
deixa o ponto assinado
faz o quorum maioria
dorme na ordem do dia
Inútil, Mr. Inútil
Pala-pala-palavra não sai
Pala-pala-pala-palavra não sai
é do norte foi eleito pelo sul
por não ter lugar no centro
nasce assim um deputado
alta esfera do estado
gagueja na oratória
a disciplina partidária
não o deixa dizer néria
não tem voto na matéria
Inútil, Mr. Inútil (são demais para a nação)
Pala-pala-palavra não sai
Pala-pala-pala-palavra não sai
ninguém sabe quem ele é
nem quem ele representa
não aguenta nem rebenta
entra e sai do hemiciclo
não deixa no ar uma ideia
tem reforma a peso de ouro só por estar ali sentado
entrar mudo e vir calado
Inútil, Mr. Inútil (são demais para a nação)

Ultimatum


ULTIMATUM FUTURISTA
ÀS GERAÇÕES PORTUGUESAS DO SÉC. XXI

Acabemos com este maelstrom de chá morno! Mandem descascar batatas simbólicas a quem disser que não há tempo para a criação! Transformem em bonecos de palha todos os pessimistas e desiludidos! Despejem caixotes de lixo à porta dos que sofrem da impotência de criar! Rejeitem o sentimento de insuficiência da nossa época! Cultivem o amor do perigo, o hábito da energia e da ousadia! Virem contra a parede todos os alcoviteiros e invejosos do dinamismo! Declarem guerra aos rotineiros e aos cultores do hipnotismo! Livrem-se da choldra provinciana e da safardanagem intelectual! Defendam a fé da profissão contra atmosferas de tédio ou qualquer resignação! Façam com que educar não signifique burocratizar! Sujeitem a operação cirúrgica todos os reumatismos espirituais! Mandem para a sucata todas as ideias e opiniões fixas! Mostrem que a geração portuguesa do século XXI dispõe de toda a força criadora e construtiva! Atirem-se independentes prá sublime brutalidade da vida! Dispensem todas as teorias passadistas! Criem o espírito de aventura e matem todos os sentimentos passivos! Desencadeiem uma guerra sem tréguas contra todos os "botas de elástico"! Coloquem as vossas vidas sob a influência de astros divertidos! Desafiem e desrespeitem todos os astros sérios deste mundo! Incendeiem os vossos cérebros com um projecto futurista! Criem a vossa experiência e sereis os maiores! Morram todos os derrotismos! Morram! PIM!
A l m a d a N e g r e i r o s

P O E T A

F U T U R I S T A
E
T U D O

Gostamos deste poema

Adriano Alcântara:

A utopia dos olhos escancarados
*******************************
" Se num momento de loucura
acaso arriscares acima do tédio
e afoito sozinho dobrares
a agreste solidão da esquina dos dias,
poderás então entrever
por entre as brumas do tempo
a imensa multidão e o verde prazer
das tuas mais urgentes utopias.

Se depois com ardor escreveres
- ridícula como o poeta a dizia -
uma simples carta de amor
cuja verdade ofereça fogosa o seu pudor
sinceros significados tão prementes
que a ouro fiquem bordados
no seio nu das palavras inexistentes,
imune farás tombar do muro os pecados
com que este presente impune
procura sarcástico esconder-nos o futuro.

Se porem impossível te for
a sangria das palavras a sério
e ao cansaço sem outra saída
com fúria não conseguires opor
a beleza dum punho bem apertado,
arrepia caminho e não ouses.
Nunca ouses monstro malfadado
dobrar a esquina deste tempo
de cobardias prenhe e silêncios cheio.

Porque só o amor mata a hipocrisia
e reconhece os homens iguais
porque para além deste dia
só de olhos escancarados se sonha a utopia."