KaosArte

O Pasto da Koltura do KaosInTheGarden

Friday, March 31, 2006

Vocábulos Amados

A palavra

Pablo Neruda

... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ... Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as ... Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda ... Tudo está na palavra ... Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que ,se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes ... São antiqüíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada ... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos ... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas .Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras*, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca. mais,se viu no mundo ... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.

*Butifarra: espécie de chouriço ou lingüiça feita principalmente na Catalunha, Valência e Baleares. (N. da T.)


MAKE LOVE NOT WAR

Thursday, March 30, 2006

Demissão


Demissão

Este mundo não presta,venha outro.
Já por tempo de mais aqui andamos
A fingir de razões suficientes.
Sejamos cães do cão:sabemos tudo
De morder os mais fracos, se mandamos,
E de lamber as mãos se dependentes.

Josá Saramago

Carlos Tê: Estrela De Rock And Roll

Não quero ser o tão falado detergente
Para dissolver o teu vazio suavemente
Talvez cantar todo o meu sonho
Num castelo de rimas
Sem ter glutões milagrosos
Na patente dos meus enzimas
Viver em estampa no peito da tua camisola
Autocolante no couro da tua sacola
Estrela distante
No céu da tua memória
Mito coroado com a poeira
E com a espuma da glória
Não tenho jeito para estrela de rock and roll
Não tenho jeito para estrela de rock and roll
Vaguear no palco perdido entre as luzes
Sangue e vinil na febre louca do show biz
Quando eu morrer talvez triplique
A minha fama
A overdose do costume
Só para dar mais um toque ao drama
Não tenho jeito para estrela de rock and roll
Não tenho jeito para estrela de rock and roll .

O meu Poeta Carlos Tê

Assisti há pouco a um Café com Letras na Biblioteca Municipal de Algés com a presença de Carlos Tê. Não tenho por hábito participar nesse género de tertúlias, embora nada tenha contra elas, antes pelo contrário, mas confesso que desta vez a personalidade convidada me interessava particularmente. Isto porque Carlos Tê ocupa um papel importante nos meus gostos literários. No folheto dizia “Carlos Tê tem-se destacado principalmente como autor de canções”. Ora, mais do que “autor de canções”, Carlos Tê para mim é um Poeta. E é mesmo aquele poeta que melhor traduz em poesia a realidade deste tempo português que tenho atravessado. Por isso, quando chegou o momento do público interagir, eu perguntei-lhe se ele tinha algum preconceito em relação à poesia ou às letras que o levasse sempre a apresentar-se como letrista e não como poeta. Falei em preconceito com a mera intenção provocatória, no bom sentido, para ver se Carlos Tê se picava, para ver como reagia, pois eu sabia que ele não ia nem por nada gostar da palavra, muito menos aplicada à sua pessoa. E na verdade não a merecia. Imediatamente respondeu, pois tem resposta rápida para todas as perguntas, que não tinha preconceito nenhum em relação à poesia mas que a poesia era algo que ocupava um lugar superior, algures entre a narrativa e a filosofia. E que as letras obedeciam a ritmos [e a poesia também não obedece?!] E que muitos se julgavam poetas e não eram. A resposta foi tão pronta e tão categórica, e o local público afinal tão pouco convidativo a manter um diálogo, que me calei, vencida mas não convencida.
Carlos Tê revelou algumas vivências que me pareceram bastante significativas e muito despretenciosas. Nascido no seio de uma família modesta no Portugal de antes da revolução, no tal país cinzento narcotizado para a informação e para a cultura, Carlos Tê não tinha livros em casa. O seu contacto com os livros foi feito através do catálogo que o vendedor do Círculo dos Leitores lhe levava a casa. Carlos Tê passou a ler um pouco aleatoriamente o que lhe vinha parar às mãos. Mas talvez precisamente por causa disso foi aguçando o seu gosto literário. Foi no entanto a música anglo-americana que chegava de fora, o rock, os blues, que maior influência causou na sua formação cultural. Naquele tempo a música ouvia-se de letra na mão, a cantar cada palavra, e as letras daquelas músicas tinham a força de uma revolução que ainda não tinha acontecido ou que ainda não se tinha instituído. Talvez seja por isto, porque as letras dessas músicas tiveram na altura maior peso do que a poesia, que Carlos Tê insista em afirmar que é um letrista. Também porque a humildade é uma qualidade em vias de extinção que Carlos Tê parece desejar preservar. Eu também não gosto de ver ninguém a apregoar “eu sou o poeta”. Mas para mim ele é verdadeiramente um Poeta. Porque para mim há letras de músicas que são verdadeiros poemas e as letras de Carlos Tê são dessa casta. Voltando as coisas ao contrário, parece quase que o preconceito é meu, mas não é. Para mim a poesia não tem que ocupar um lugar etéreo, algures entre o céu e a terra. A poesia é tudo aquilo que eu sentir como poesia. Há letras de músicas que eu também cantava de disco na mão que são os meus poemas e não há ninguém no mundo que me possa convencer que isso não é poesia. Nem mesmo um Poeta como Carlos Tê.

Tuesday, March 28, 2006

Dia Mundial do Teatro: Homenagem ao grande Mário Viegas


TEATRO
Por Mário Viegas


10 mandamentos para 1 espectador de teatro

1º NÃO CHEGARÁS ATRASADO, incomodando a concentração daqueles que estão a Representar e dos outros (que chegaram religiosamente a horas) que estão a assistir ao Santo Sacrifício do Teatro.
2º NÃO FALARÁS BAIXINHO com o ou a acompanhante; incomodando com a tua inclinação de cabeça o Espectador de trás, e distraindo os Actores celebrantes do Santo Sacrifício do teatro.
3º NÃO ADORMECERÁS NEM RESSONARÁS, dando marradas para a frente ou para trás, ou pondo a mão nos olhos para os outros pensarem que estás muito concentrado no Santo Sacrifício do teatro.
4º NÃO TOSSIRÁS NEM TE ASSOARÁS com grande ruído, escolhendo as melhores pausas dos celebrantes do Santo Sacrifício do Teatro.
5º NÃO TE ABANARÁS constantemente com o programa, distraindo os que estão, religiosamente, ao teu lado e, irritando os que estão no palco a celebrar o Santo Sacrifício do Teatro.
6º NÃO COMERÁS rebuçados, pipocas, caramelos, chocolates, pastilhas, comprimidos; tirando-os muito devagarinho, fazendo com o papel e as pratinhas o mais diabólico, satânico e herético ruído numa sala de espectáculos em que se celebra o Santo Sacrifício do Teatro.
7º NÃO LEVARÁS relógios com pipis electrónicos, telemóveis e sacos de plásticos que andarás constantemente a pôr, ora entre as pernas, ora no colo, perturbando os que celebram o Santo Sacrifício do Teatro.
8º NÃO LERÁS OU FOLHEARÁS o programa durante a celebração do Santo Sacrifício do Teatro para tentar saber qual é o nome de determinado Actor, ou para tentar perceber a sequência do Santo Sacrifício do Teatro.
9º NÃO PEDIRÁS borlas ou insistirás em descontos, a que não tens direito, para assistir à celebração do Santo Sacrifício do Teatro.
10º NÃO OLHARÁS «com umas grandes vendas» para o vizinho do lado, que achou religiosamente Graça ao que tu não achaste, ou que, piamente e cheio de Fé, se levantou logo para aplaudir, enquanto tu bates palmas por frete e já a pensar ir a correr tirar a porcaria do teu carrinho, ou a porcaria do teu sobretudo do bengaleiro, mais cedo do que os outros.
ASSIM: SUBIRÁS PURO AOS CÉUS!
OU
ASSIM: PODERÁS IR A 13 DE MAIO À COVA DA IRIA
OU
ASSIM: PODERÁS IR E COMUNGAR NO CASAMENTO REAL
de Sua Majestade Sereníssima Dom Duarte Pio João Miguel Gabriel Rafael De Bragança, chefe da Sereníssima Casa de Bragança, Duque de Bragança, de Guimarães e de Barcelos, Marquês de Vila Viçosa, Conde de Arraiolos, de Ourém, de Barcelos, de Faria, de Neiva e de Guimarães; e de sua Augusta Noiva Isabel Inês De Castro Corvello de Herédia.
IDE E ESPALHAI A BOA NOVA!!

Mário Viegas: ver entrevista com Mário Viegas na Revista Agulha

Os pássaros


Ouve que estranhos pássaros de noite
Tenho defronte da janela:
Pássaros de gritos sobreagudos e selvagens
O peito cor de aurora, o bico roxo,
Falam-se de noite, trazem
Dos abismos da noite lenta e quieta
Palavras estridentes e cruéis.
Cravam no luar as suas garras
E a respiração do terror desce
Das suas asas pesadas.

Sophia de Mello Breyner Andresen
Antologia
Círculo de Poesia
Moraes Editores
1975

Damian Marley: hoje às 22h no Coliseu de Lisboa

Monday, March 27, 2006

Bertold Brecht, poeta


Dificuldade de governar
1
Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.

2
E também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.

3
Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.

4
Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender?

Sunday, March 26, 2006

Filho da Pátria Iludido


Filho da Pátria Iludido

Quando eu vejo um filho da pátria com a camisa dos Estados Unidos
Eu fico puto
Eu fico louco
Eu fico logo mordido
Porque se fosse um americano eu já não ia gostar
Mas o pior é brasileiro quando cisma de usar
Uma jaqueta ou uma camiseta com aquela estampa
D'aquela porra de bandeira azul vermelha e branca!
Eu não suporto ver aquilo no peito de um brasileiro
Me dá vontade de manchar tudo de vermelho
Vermelho sangue
Do sangue do otário
Que não soube escolher a roupinha certa no armário
E saiu de casa crente que tava abafando
Eu vô tentar me segurar mas eu não tô mais agüentando!!
Quando eu vejo um filho da pátria com a camisa dos Estados Unidos (cores dos States com as estrelas e as listras)
Quando eu vejo um filho da pátria com a camisa dos Estados Unidos (não somos patriotas nem nacionalistas)
Quando eu vejo um filho da pátria com a camisa dos Estados Unidos (como Tio Sam sempre quis)
Quando eu vejo um filho da pátria com a camisa dos Estados Unidos (amigo vai nessa que tu tá é fodido)
E ele saiu de casa crente que tava abafando
Eu fico puto
Eu fico triste
Eu fico quase chorando
De pena de raiva de tristeza de vergonha
Quando eu vejo esses babacas esses panacas esses pamonhas
Que têm coragem de ir pra rua com boné ou camiseta
Com as cores da bandeira mais nojenta do planeta!
Tem azul com estrelinha
Tem branquinho e tem vermelho
O filho da pátria é burro cego ou a casa dele não tem espelho?
Eu acho que é burro mesmo
Coitado
Sem rumo sem governo totalmente alienado
Bitolado do tipo que acredita no enlatado
Que passou no Supercine desse sábado passado
Eu tento me controlar conto até dez respiro fundo
Ô filho da pátria é assim que cê pensa que vai chegar no 1º mundo?
Vestindo essa bandeira de outro povo
Vestindo essa roupa escrota de submisso baba-ovo
Que vergonha que vexame que tragédia que fiasco:
O enforcado desfilando com a bandeira do carrasco!
Condenado
Parece que merece a morte
Me enraivece um colonizado usar a bandeira da metrópole!
E não espere eles invadirem a Amazônia
Pra saber que não passamos de uma mísera colônia
Em pleno século vinte e um beirando o ano dois mil
Por essas e outras devemos usar a bandeira do Brasil
E lutar por um país fodido
No quadro internacional
Tira a camisa dos Estados Unidos seu débil mental!

Refrão

I'm an American and I'm pround of my flag
But Gabriel is my friend and I understand what he said
You gotta have personality keep your own nationality
Look at yourself
Try to live your reality
And maybe we will all have just one nation some day
But now use your own flag let me be USA
Each one has his own country but life is way above
We aint't talking about hate It's all about love...
Amigo cê tá perdido enganado iludido
Já devia ter sabido o que são os Estados Unidos
Um país infeliz
O mais hipócrita da terra
Malucos suicidas e imbecis que adoram guerra
Misturados num lugar cheio de farsa e preconceito
Me diz porque essa merda de bandeira no seu peito?
O quê que cê quer dizer quando veste uma camisa exaltando as belas cores dos opressores que te pisam?
O quê que cê quer passar pra pessoa que olhar pro seu peito e num entender de que lado você tá?
Mas não precisa responder
Cê tá do lado de baixo
Você é uma fêmea no cio e o Tio Sam é o seu macho
Você é o capacho dos norte-americanos
Por isso ainda acho que existe algum engano
Porque eu não me rebaixo a passear vestido
Com a roupa do inimigo: os Estados Unidos

Gabriel O Pensador- Ainda é só o Começo

Saturday, March 25, 2006

A Louvação de Elis Regina

Vou fazer a louvação
Louvação, louvação
Do que deve ser louvado
Ser louvado, ser louvado
Meu povo, preste atenção
Atenção, atenção
Repare se estou errado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
E louvo, pra começar
Da vida o que é bem maior
Louvo a esperança da gente
Na vida, pra ser melhor
Quem espera sempre alcança
Três vezes salve a esperança!
Louvo quem espera sabendo
Que pra melhor esperar
Procede bem quem não pára
De sempre mais trabalhar
Que só espera sentado
Quem se acha conformado
Vou fazendo a louvação
Louvação, louvação
Do que deve ser louvado
Ser louvado, ser louvado
Quem 'tiver me escutando
Atenção, atenção
Que me escute com cuidado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
Louvo agora e louvo sempre
O que grande sempre é
Louvo a força do homem
E a beleza da mulher
Louvo a paz pra haver na terra
Louvo o amor que espanta a guerra
Louvo a amizade do amigo
Que comigo há de morrer
Louvo a vida merecida
De quem morre pra viver
Louvo a luta repetida
Da vida pra não morrer
Vou fazendo a louvação
Louvação, louvação
Do que deve ser louvado
Ser louvado, ser louvado
De todos peço atenção
Atenção, atenção
Falo de peito lavado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
Louvo a casa onde se mora
De junto da companheira
Louvo o jardim que se planta
Pra ver crescer a roseira
Louvo a canção que se canta
Pra chamar a primavera
Louvo quem canta e não canta
Porque não sabe cantar
Mas que cantará na certa
Quando enfim se apresentar
O dia certo e preciso
De toda a gente cantar
E assim fiz a louvação
Louvação, louvação
Do que vi pra ser louvado
Ser louvado, ser louvado
Se me ouviram com atenção
Atenção, atenção
Saberão se estive errado
Louvando o que bem merece
Deixando o ruim de lado

Thursday, March 23, 2006

Morreu Pío Leiva (1917-2006), cantor cubano: "Llegué y me fui otra vez"

El Montunero de Cuba: Pío Leiva

Reciemente proclamado como uno de los vocalistas en las grabaciones y cinematografía del Buena Vista Social Club, al igual que durante las giras con Maraca y Barbarito Torres, Pío Leiva, de 83 años de edad, es extraordinario, tanto como en el escenario, como lo es de cara a cara. Enérgico y con su puro de marca a mano, Pío canta con un corazón enorme; bromea, y sin vergúenza alguna, coquetea con el público. Llegué a su apartamento justo fuera de Havana a lo que se convirtióen una entrevista tan agradable como estuvo esa tarde.

Q: ¿Puedes contarme algo de tu historia?
Pío Leyva: Yo nací el 5 de mayo de 1917 en Morón. Me llamo Wilfredo Pío Leyva Pascual. Yo cantaba mucho, así, cuando muchacho, en el patio de mi casa. Yo me subía en una mata y me ponía a cantar y al otro día los vecinos me decían: "Oye, te oí cantar". Y así un día salí y había un velorio de santo en una casa en la calle Narciso López. Yo llegué y había un septeto tocando ahí. Me paré en la puerta y les dije a los músicos que por qué no me dejaban cantar un número.
Y me dijo uno: "¿Cómo te voy yo a dejar cantar? Yo no te conozco a ti". "Yo sé, le dije yo, pero déjeme cantar con ustedes". Entonces se paró un amigo mío que era bongocero del grupo, que en paz descanse, Valentín Sandoval, y le dijo al director: "Deja al muchacho que cante algo". Pasé, me trajeron un taburete, me subí ahí y canté un número que decía (empieza a cantar): "Negra linda, negra santa / cómo me gusta gozar / Déjame pues, mi negrita / mis pesares disipar / escuchando los cantares / de mi tierra bendecida / esta tierra maltratada / con quien yo aprendí a gozar. / Afrocubano soy, afrocubano / por mis venas corre sangre / del continente africano / por eso me gusta el son / donde canta la guitarra los motivos de mi tierra / de la era colonial."

Entonces la gente aplaudió, yo me fui, y al otro día, un amigo mío que se murió también, Juanito Blé, me mandó a buscar a mi casa para tocar un baile con él. Canté esa noche y hasta ahora no he parado más. Eso fue como en el año 30.

Q: ¿Y después? PL: Empecé a cantar con distintas orquestas: Orquesta de Jesús Montago, Orquesta Raqueteros del Swing, Orquesta de Paseiro, Sexteto Colón… Después hice un trío, patrocinado por una marca, Café el Ángel, y hacíamos radio, y así. Después vinea la Habana con una orquesta que se llamaba Hermanos Martín. Llegué y me fui otra vez.

(…)

ler toda a entrevista em http://www.salsasf.com/features/interviews/pio_esp.html

(Entrivisata ©1999 por Julia Sewell.
Transcriptión y traducción ©1999 por
Isidra Menkos.)

Wednesday, March 22, 2006

GEORGE BRASSENS - Boulevard du temps qui passe

Boulevard du temps qui passe Paroles: Georges Brassens

A peine sortis du berceau,
Nous sommes allés faire un saut
Au boulevard du temps qui passe,

En scandant notre " Ça ira "
Contre les vieux, les mous, les gras,
Confinés dans leurs idées basses.

On nous a vus, c'était hier,
Qui descendions, jeunes et fiers,
Dans une folle sarabande,
En allumant des feux de joie,

En alarmant les gros bourgeois,
En piétinant leurs plates-bandes.

Jurant de tout remettre à neuf,
De refaire quatre-vingt-neuf,
De reprendre un peu la Bastille,
Nous avons embrassé, goulus,
Leurs femmes qu'ils ne touchaient plus,

Nous avons fécondé leurs filles.

Dans la mare de leurs canards
Nous avons lancé, goguenards,
Force pavés, quelle tempête!
Nous n'avons rien laissé debout,
Flanquant leurs credos, leurs tabous
Et leurs dieux, cul par-dessus tête.

Quand sonna le " cessez-le-feu "

L'un de nous perdait ses cheveux
Et l'autre avait les tempes grises.

Nous avons constaté soudain

Que l'été de la Saint-Martin
N'est pas loin du temps des cerises.

Alors, ralentissant le pas,

On fit la route à la papa,
Car, braillant contre les ancêtres,
La troupe fraîche des cadets
Au carrefour nous attendait
Pour nous envoyer à Bicêtre.

Tous ces gâteux, ces avachis,
Ces pauvres sépulcres blanchis

Chancelant dans leur carapace,
On les a vus, c'était hier,
Qui descendaient jeunes et fiers,
Le boulevard du temps qui passe.

http://www.portaldepoesia.com/letras.htm

Tuesday, March 21, 2006

Vale a pena ver esta versão dos acontecimentos do 11 de Setembro!

Velhos são os trapos!

Rolling Stones: Concerto no Rio de Janeiro

Monday, March 20, 2006

Iraqnica - a reescrita da Guernica

Quem diz que é pela rainha


Quem diz que é pela rainha
Nem precisa de mais nada
Embora seja ladrão
Pode roubar à vontade
Todos lhe apertam a mão
É homem de sociedade

Acima da pobre gente
Subiu quem tem bons padrinhos
De colarinhos gomados
Perfumando os ministérios
É dono dos homens sérios
Ninguém lhe vai aos costados

(José Afonso)

3 Anos da Guerra do Iraque

Morreu Fernando Gil...



... pensador português galardoado, criador de uma obra vasta.

Além das obras individuais que assinou, dirigiu um conjunto de importantes obras colectivas (entre as quais, O Balanço do Século, 1990; Scientific and Philosophical Controversies, 1990; Philosophy in Portugal, a Profile, 1999; A Ciência tal Qual se Faz, 1999) e publicou para cima de 150 estudos, escritos em diferentes línguas, quer como artigos de revistas, quer como comunicações e apresentações a colóquios. Fundou e dirigiu a revista Análise e integra os comités de redacção de diversas outras revistas e publicações, designadamente as encicliopédias Universalis, Britannica e Einaudi (sendo o coordenador dos quarenta volumes da edição portuguesa desta última). Em virtude do seu mérito científico, internacionalmente reconhecido, foi agraciado, em 1992, com o grau de Grande Oficial da Ordem Infante D. Henrique, por proposta do presidente da República, Mário Soares, de quem foi aliás conselheiro especial. É também distinguido em 1993 com o Prémio Pessoa. O governo francês agraciou-o em 1995 com o título Chevalier da Ordem das Palmes Académiques. Finalmente, foi consagrado em 1998 doutor honoris causa pela Universidade de Aveiro. (in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. VI, Lisboa, 1999)

Para que a sua vida e a sua morte tivesse tido um maior peso nos nossos telejornais faltou-lhe ser… Milosevic. Fernando Gil não estará no entanto morto enquanto a sua obra puder causar influência. Quanto a Milosevic esperemos que a sua “obra” não venha a causar qualquer influência.

Sunday, March 19, 2006

ADRIANO CORREIA DE OLIVEIRA PARA SEMPRE (1942-1982)


Tejo que levas as águas (MP3)

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava-a de crimes espantos
de roubos, fomes, terrores,
lava a cidade de quantos
do ódio fingem amores

Leva nas águas as grades
de aço e silêncio forjadas
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas

Lava bancos e empresas
dos comedores de dinheiro
que dos salários de tristeza
arrecadam lucro inteiro

Lava palácios vivendas
casebres bairros da lata
leva negócios e rendas
que a uns farta e a outros mata

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava avenidas de vícios
vielas de amores venais
lava albergues e hospícios
cadeias e hospitais

Afoga empenhos favores
vãs glórias, ocas palmas
leva o poder dos senhores
que compram corpos e almas

Leva nas águas as grades
de aço e silêncio forjadas
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas

Das camas de amor comprado
desata abraços de lodo
rostos corpos destroçados
lava-os com sal e iodo

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Saturday, March 18, 2006

Movimento de Solidariedade com o Povo Iraquiano

18 de MARÇO É DIA DE CONCENTRAÇÃO
TODOS AO LARGO CAMÕES 15 H
PELA DESOCUPAÇÃO DO IRAQUE
PELA PAZ NO MUNDO

3 anos de ocupação

Que me perdoem os que vão ler estas inconfidências

Que me perdoem os que vão ler estas inconfidências
Escritas num à toa que vai reflectindo
Nos espelhos das palavras-espelho
Em que me vou revelando
Surpreendendo-me a mim mesma
Nas palavras sem pintura
Palavras cansadas de rotina
Que mesmo quando se desejam fugidias
Resvalam para paisagens rotineiras
Donde jamais desejo afastar-me
Ainda que anseie por outras saídas…

Mas quando morrer
Vou deixar pistas
Como passos na areia
Que um qualquer mar apagará
Por isso as palavras podem não ter peso
E as ideias voláteis
Transformarem-se em meras frases sem nexo
Um dia fora do texto
Sem sentido sentidas
Um dia dentro do contexto
Serão então as mesmas palavras
Traduzidas numa outra realidade
Tão outras
Tão fora deste tempo
Que só palavras um dia sentidas
Poderão talvez fazer sentir
Numa mesma dor uma alegria
Que o amor iluminou
O espírito levado às alturas da imaginação
Que voa.

Friday, March 17, 2006

Lou Reed - There Is No Time

(Site oficial de Lou Reed http://www.loureed.org/)

This is no time for Celebration
This is no time for Shaking Hands
This is no time for Backslapping
This is no time for Marching Bands

This is no time for Optimism
This is no time for Endless Thought
This is no time for my country Right or Wrong
Remember what that brought

There is no time
There is no time
There is no time
There is no time

This is no time for Congratulations
This is no time to Turn Your Back
This is no time for Circumlocution
This is no time for Learned Speech

This is no time to Count Your Blessings
This is no time for Private Gain
This is no time to Put Up or Shut Up
It won't come back this way again

There is no time
There is no time
There is no time
There is no time

This is no time to Swallow Anger
This is no time to Ignore Hate
This is no time to be Acting Frivolous
Because the time is getting late

This is no time for Private Vendettas
This is no time to not know who you are
Self knowledge is a dangerous thing
The freedom of who you are

This is no time to Ignore Warnings
This is no time to Clear the Plate
Let's not be sorry after the fact
And let the past become out fate

There is no time
There is no time
There is no time
There is no time

This is no time to turn away and drink
or smoke some vials of crack
This is a time to gather force
And take dead aim and Attack

This is no time for Celebration
This is no time for Saluting Flags
This is no time for Inner Searchings
The future is at hand
This is no time for Phony Rhetoric
This is no time for Political Speech
This is a time for Action
Because the future's Within Reach

This is the time
This is the time
This is the time
Because there is no time

There is no time
There is no time
There is no time
There is no time

(http://www.zap-letras.com/letra/424634/)

Thursday, March 16, 2006

Os Condes de Abranhos


Eça de Queirós: o criador das personagens
e das situações sempre reconhecíveis.

O Conde de Abranhos
«Alípio Severo Abranhos é conde e motivo de uma biografia caricata e caricatural.
Em si mesmo, Abranhos satiriza o político do constitucionalismo, a sua mediocridade e o postiço que o atormenta; doutro ponto de vista, ele é sobretudo a falsificação do talento e da habilidade política. Em síntese, a ironia de Eça no seu máximo fulgor.
Se há figura que, na galeria das personagens queirosianas, ilustra a ambição política que não olha a meios para atingir os fins, essa figura é o conde d'Abranhos.
Finalmente ministro da Marinha, o conde ocupava-se "sobretudo de ideias gerais".
A questão - vexatória "só para os espíritos subalternos" - estava em que o ministro situava Moçambique na costa ocidental da África. Quando interpelado por uma oposição zelosa de minúcias, o conde dá uma resposta que o biógrafo classifica de "genial": "- Que fique na costa abeleço. Os regulamentos não mudam com as latitudes!"
»
In http://users.prof2000.pt/ano/alvide/eca/personagens_ilustres.htm
Viu por aí aparecer ultimamente algum Conde de Abranhos?

Wednesday, March 15, 2006

O que continua a fazer falta

Admito que a revolução seja uma utopia, mas no meu dia a dia procuro comportar-me como se ela fosse tangível. Continuo a pensar que devemos lutar onde exista opressão, seja a que nível for. José Afonso

O Que Faz Falta (José Afonso)

Quando a corja topa da janela
O que faz falta
Quando o pão que comes sabe a merda
O que faz falta

O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta

Quando nunca a noite foi dormida
O que faz falta
Quando a raiva nunca foi vencida
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é acordar a malta
O que faz falta

Quando nunca a infância teve infância
O que faz falta
Quando sabes que vai haver dança
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta

Quando um cão te morde a canela
O que faz falta
Quando a esquina há sempre uma cabeça
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta

Quando um homem dorme na valeta
O que faz falta
Quando dizem que isto é tudo treta
O que faz falta

O que faz falta é agitar a malta
O que faz falta
O que faz falta é libertar a malta
O que faz falta

Se o patrão não vai com duas loas
O que faz falta
Se o fascista conspira na sombra
O que faz falta

O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é dar poder a malta
O que faz falta

(ver mais informações na página da Associação José Afonso http://www.aja.pt/)

Tuesday, March 14, 2006

Vamos prá frente com a organização popular!


Organização Popular
by Sérgio Godinho

Éramos para cima de um milhão
de moradores sem eira nem beira
a fazer das tripas coração
cada qual da sua maneira
a viver sem água e a viver sem jeito
a viver sem trégua uma vida a eito
em barracas velhas e andares desfeitos.

E da conjunção destes factores
pouco a pouco nasceu a ideia
de formar comissões de moradores
elegíveis em assembleia
e exigimos muito
fizemos projectos
ocupámos casas
e erguemos tectos
com a população
e até alguns arquitectos.

Vamos prá frente
Com a organização popular (Bis)
Vencer é lutar.

Eram várias vezes um milhão
vários milhões de trabalhadores
a fazer das tripas coração
e a sonhar com dias melhores
a vender o corpo
e a comprar migalhas
a emprestar a vida
e a viver ao calha
e a ser despedido
por dá cá aquela palha.

E da conjunção destes factores
pouco a pouco nasceu a ideia
de formar comissões de trabalhadores
elegíveis em assembleia
lutámos primeiro
para sobreviver
mas no fim de contas
para enfim poder
mudar o destino
lutar e vencer.

Vamos prá frente
Com a organização popular (Bis)
Vencer é lutar.

Monday, March 13, 2006

FMI.Quer dizer: "Fundo Monetário Internacional"


Vou, vou-vos mostrar mais um pedaço da minha vida, um pedaço um pouco especial, trata-se de um texto que foi escrito, assim, de um só jorro, numa noite de Fevereiro de 79, e que talvez tenha um ou outro pormenor que já não é muito actual. Eu vou-vos dar o texto tal e qual como eu o escrevi nessa altura, sem ter modificado nada, por isso vos peço que não se deixem distrair por esses pormenores que possam ser já não muito actuais e que isso não contribua para desviar a vossa atenção do que me parece ser o essencial neste texto. Chama-se FMI. Quer dizer: Fundo Monetário Internacional. Não sei porque é que se riem, é uma organização democrática dos países todos, que se reúnem, como as pessoas, em torno de uma mesa para discutir os seus assuntos, e no fim tomar as decisões que interessam a todos... É o internacionalismo monetário! (José Mário Branco, do Porto, muito mais vivo que morto)
Esta página contém o texto de FMI, escrito em 1979 por José Mário Branco. Este texto é uma espécie de 'fotografia em camera lenta' da Revolução do 25 de Abril e de tudo que a descaminhou. É sem dúvida, uma obra a ter em conta por todos quantos queiram compreender o que fez com que o que restasse de Abril fosse pouco mais do que a tão cara liberdade de expressão que hoje ainda conservamos.

Sunday, March 12, 2006

Welcome to the machine!

Welcome to the machine (Pink Floyd)

Welcome my son, welcome to the machine.

Where have you been?
It's alright we know where you've been.
You've been in the pipeline, filling in time,
Provided with toys and 'Scouting for Boys'.
You bought a guitar to punish your ma,
And you didn't like school, and you
know you're nobody's fool,
So welcome to the machine.

Welcome my son, welcome to the machine.
What did you dream?
It's alright we told you what to dream.
You dreamed of a big star,
He played a mean guitar,
He always ate in the Steak Bar.
He loved to drive in his Jaguar.
So welcome to the Machine.

Saturday, March 11, 2006

O fascismo é uma minhoca não é? - Lá isso é!



Lá Isso É
by Sérgio Godinho

Quatro rodas tem o carro (não tem? lá isso tem)
três pezinhos tem o banco (não tem? lá isso tem)
dois olhinhos tem o cego
quando anda a fazer que é manco


O fascismo é uma minhoca (não é? lá isso é)
que se infiltra na maçã (não é? lá isso é)
ou vem com botas cardadas
ou com pezinhos de lã


O mandão é que põe e dispõe
mas o povo é que manda no povo
ai isso é claro, claro
mais claro que a clara dum ovo


Há quem mande obedecer (não há? lá isso há)
há quem disso se encarregue (não há? lá isso há)
e também há quem não tenha
ponta pr´onde se lhe pegue


Há partidos de direita (não há? lá isso há)
que põem sempre a bola ao centro (não é? lá isso é)
mas quem melhor os fintar
é que vai marcar o tento


O mandão é que põe e dispõe
mas o povo é que manda no povo
ai isso é claro, claro
mais claro que a clara dum ovo


É da gente da nossa terra (não é? lá isso é)
é da terra a nossa gente (não é? lá isso é)
de Trás-os-Montes ao Algarve
das ilhas ao Continente
e é estranho que haja p´ra quem
isto não seja evidente


O mandão é que põe e dispõe
mas o povo é que manda no povo
ai isso é claro, claro
mais claro que a clara dum ovo

Friday, March 10, 2006

Cesariny: O homem que venceu está só


MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS (1923 - )

Nasceu no dia 9 de Agosto de 1923 em Lisboa. Frequentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio e estudou música com o compositor Fernando Lopes Graça.

Considerado o mais importante representante poeta português da escola Surrealista, encontra-se em 1947 com André Breton, facto determinante no desenvolvimento de seu trabalho literário. Ainda nesse ano participa, junto com Alexandre O'neill, António Pedro etc., do Grupo Surrealista de Lisboa. Algum tempo depois, por não concordar com a linha ideológica do grupo, afasta-se de maneira polémica e funda o "Grupo Surrealista Dissidente".

Principal representante do Surrealismo português, Mario Cesariny, no início de sua produção literária, mostra-se influenciado por Cesário Verde e pelo Futurismo de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa. Ao integrar-se ao Grupo Surrealista, muda o seu estilo, trazendo para sua obra o "absurdo", o "insólito" e o "inverosímil".
Além de poeta, romancista, ensaísta e dramaturgo, também se dedicou às artes plásticas, sobretudo à pintura.

Pintura sem título de Mário Cesariny, 1951

Rua do Ouro

Ai dele que tanto lutou e afinal
está tão só. Tão sozinho. Chora.
Direcção da Companhia Tantos de Tal.
Cinquenta e três anos. Chove, lá fora.

Chora, porquê? Ora, chora.
Uma crise de nervos, coisa passageira.
É, talvez, pela mulher que o adora?
(A ele ou à carteira?)

Seis horas. Foi-se o pessoal.
O homem que venceu está sozinho.
Mas reage: que diabo. Afinal...
E olha para o cofre cheinho.

Sim estou só ainda bem porque não? ele diz
batendo com os punhos na mesa.
Lutei e venci. Sou feliz
E bate com os punhos na mesa.

Seis e meia. Ó neurastenia
o homem que venceu está de borco
e sente uma grande agonia
que afinal é da carne de porco
que comeu no outro dia.

É da carne de porco ele diz
vendo a chuva que cai num saguão.
É da carne de porco. Sou feliz.
E ampara a cabeça com as mãos.

Durante toda a vida explorou o semelhante.
Por causa dele arruinaram-se uns cem.
Agora, tem medo. E o farsante
diz que é feliz diz que está muito bem.

Sim, reage. Que diabo. Terei medo?
E vê as horas no relógio vizinho.
Mas, ai, não é tarde nem cedo.
Ele, que venceu, está sozinho.

Venceu quem? Venceu o quê? Venceu os outros
Os outros, os que o queriam vencer!
Arruinou-os, matou-os aos poucos.
Então não o queriam lá ver?

Sim, reage: Esta noite a Leonor
amanhã de manhã o Salemos
e depois? Ah o novo motor
veremos veremos veremos

Mas pouco do que diz tem sentido.
Tudo hoje lhe é vago uniforme miudinho.
O homem que venceu está vencido.
O dinheiro tapou-lhe o caminho.

Os filhos? esperam que ele morra.
A mulher? espera que ele morra.
O sócio? Pede a Deus que ele morra!
Só a Anita não quer que ele morra!
Ai, maldita carne, murmura
vendo a água que há no saguão.
Tinha demasiada gordura!
E veste o casaco e o gabão.

Passa os olhos pelo lenço. Acabou-se.
Vai sair. Talvez vá jantar?
É inverno. Lá fora, faz frio.

O homem que venceu matou-se
na margem mais escura do rio
ao volante dum belo Packard.

Mário Cesariny

Thursday, March 09, 2006

Missiva de Herbert Pagani aos presidentes planetários


Ni Marx, ni Jésus (Herbert Pagani, Album Mégalopolis, 1972)

Regarde-nous, Mégalopolis,
Nous sommes tes enfants, nous sommes une armée
Armés jusques aux dents d'amour et de tendresse
De rage et de sagesse, de force et de beauté
Vous avez beau tenir en main nos forteresses
Ce sont des poudrières, nos universités !
Y'a quelque chos' de pourri au royaume de Culture
Présidents planétair's votre rêve est fini
Vous vouliez vous forger des soldats sur mesure
Vous avez dans vos murs des milliers d'ennemis...
Des milliers de vingt ans et de tous les pays
Ont compris que le monde a perdu la boussole
Et ce cri stéréo fait le tour des écoles
C'est la mort du système ou la mort de la vie !
Facultés et campus ne sont plus que des camps
Éclairés jour et nuit, sillonnés de patrouilles
On surveille les profs, et les jeunes, on les fouille
Le pouvoir a la trouill' chaque fois qu'il entend :
Pas besoin de Marx ou de Jésus
Pour changer le ciel de notre Histoire :
Contre la violence du pouvoir
Rendez-vous des forces dans la rue !
Notre terre est pourrie car il pleut du pétrole
Même l'air qu'on respir' nous est taxé
Présidents planétair's, ces petites bricoles
Je vous donn' ma parol', vous allez les payer !
Babylone est tombée, puis l'Egypte, et puis Rome
Votre compte à rebours est commencé
Les systèmes s'effondrent et survivent les hommes
On vous aide à mourir, et vous protestez !
C'est à coups de matraqu' qu'on écrase les cris
C'est au gaz lacrymo qu'on éteint la colère
Faites bien attention, Présidents planétaires,
Ces derniers soubresauts, c'est déjà l'agonie !
Tous ces innocents que l'on déchire
Tous ces disparus, ces torturés,
Ça nous faìt des listes de martyrs
Pour notre futur calendrier !
Le combat, le combat, Mégalopolis
Est la seul' solution qui nous est donnée
Nous serons des milliers contre la police
Nous serons des millions contre les armées !
le bonheur, c'est un droit, pas une utopie
Et l'amour, notre loi, notre seule patrie,
C'est au nom de la joie que l'on marche et crie
Qu'on n'a pas besoin de Marx ou de Jésus
Pour changer le ciel de notre Histoire :
Contre la violence du pouvoir
Nous avons les forces de la rue !
Tous ces innocents que l'on déchire
Tous ces disparus, ces torturés,
Ça nous faìt des listes de martyrs
Pour notre futur calendrier !
Pas besoin de Marx ou de Jésus
Pour changer le ciel de notre Histoire :
Contre la violence du pouvoir
Nous avons les forces de la rue !

Herbert Pagani

Wednesday, March 08, 2006

Morreu Ali Farka Touré


Ali Farka Touré, um dos mais conceituados artistas de world music, morreu no Mali vitima de um temor. Tinha 66 anos.
Pioneiro dos ‘blues do Mali’ o ‘John Lee Hooker africano’,Farka Touré só despertou interesse no Ocidente no final dos anos 80 quando lançou o seu homónimo álbum de estreia. Seguiram-se várias digressões pela América e Europa, durante as quais chegou a tocar com músicos dos Chieftains e Taj Mahal.
Após um interregno para se dedicar à agricultura, Touré voltou aos discos em 1994 com o álbum ‘Taking Timbuktu’ em que contou com a parceria de Ry Cooder e lhe valeu um Grammy
Para todos aqueles habituados a ouvir “World music” foi uma perda a que só a audição dos seus discos pode diminuir.

Discografia:

SONGS FROM MALI - 1988
THE RIVER - 1990
THE SOURCE - 1992
TALKING TIMBUKTU - 1994
RADIO MALI - 1996
NIAFUNKE - 1999
RED AND GREEN - 2004
IN THE HEART OF THE MOON - 2005

Tuesday, March 07, 2006

Ary dos Santos: Um poeta que nos faz falta

ARY DOS SANTOS (1937-1984)
Poeta português, natural de Lisboa. Saiu de casa aos 16 anos, exercendo várias actividades como meio de subsistência.
Revelando-se como poeta com a obra Asas (1953), publicou, em 1963, o livro Liturgia de Sangue, a que se seguiram Azul Existe, Tempo de Lenda das Amendoeiras e Adereços, Endereços (todos de 1965). Em 1969, colaborou na campanha da Comissão Democrática Eleitoral e, mais tarde, filiou-se no Partido Comunista Português, tendo tido uma intervenção politizada, mas muito pessoal.
Ficou sobretudo conhecido como autor de poemas para canções do Concurso da Canção da RTP. Os seus temas «Desfolhada» e «Tourada» saíram ambos vencedores. Em 1971, foi atribuído a «Meu Amor, Meu Amor», também da sua autoria, o grande prémio da Canção Discográfica. Declamador, gravou os discos «Ary Por Si Próprio» (1970), «Poesia Política» (1974), «Bandeira Comunista» (1977) e «Ary por Ary» (1979), entre outros. Publicou ainda os volumes Insofrimento In Sofrimento (1969), Fotos-Grafias (1971), Resumo (1973), As Portas que Abril Abriu (1975), O Sangue das Palavras (1979) e 20 Anos de Poesia (1983). Em 1994, foi editada Obra Poética, uma colectânea das suas obras.
Personalidade entusiasta e irreverente, muitos dos seus textos têm um forte tom satírico e até panfletário, anticonvencional, contribuindo decisivamente para a abertura de novas possibilidades para a música popular portuguesa. Deixou cerca de 600 textos destinados a canções.

SIGLA


S.A.R.L. S.A.R.L S.A.R.L.
a pança do patrão não lhe cabe na pele
a mulher do gerente não lhe cabe na cama.
S.A.R.L. S.A.R.L. S.A.R.L.
o cabedal estoira
e o capital derrama

O salário é sagrado
o direito é divino
mais o caso arrumado do poder que é bovino.

O papel é ao quilo
o cadáver ao metro
mais o isto e aquilo
com que se mata o preto.

O retrato é chapado
a moldura é antiga
para um homem armado
a catana é cantiga.

S.A.R.L. S.A.R.L. S.A.R.L.
o respeito algemado
o sorriso fiel
do senhor cão pastor que tem coleira aos bicos
S.A.R.L. S.A.R.L. S.A.R.L.
só salvamos a pele se formos cães de ricos:

A palhota de mágoa
a casota de medo
mais o pão e a água
que nos dão em segredo.

A gaveta arrumada
a miséria contida
mais a fome enfeitada
que há nun dia de vida.

O cachorro quieto
o prazer solitário
do filho predilecto
do doutor numerário.

S.A.R.L. S.A.R.L. S.A.R.L.
a folha de serviços a folha de papel
o fabrico o penico o sono estuporado.
S.A.R.L. S.A.R.L. S.A.R.L.
o silêncio por escrito o silêncio ladrado:

A mensagem urgente
o envelope fechado
mais o rabo pendente
do animal escorraçado.

O contínuo presente
o contínuo passado
mais a fala deferente
do contínuo coitado:
Permite-me permite
Vossa Celebridade
o limite o limite
o limite de idade?

S.A.R.L. S.A.R.L. S.A.R.L.
Ai o sal deste mar ai o mel deste fel
o azeite o bagaço
o cagaço o aceite
deste lagar Tarzan traumatizado.
Ai a fase do leite
ai a crise do gado
neste curral sinónimo do homem
ANÓNIMO
RESPONSÁVEL
LIMITADO.
(Ary dos Santos, INSOFRIMENTO IN SOFRIMENTO, 1969)

[A sigla S.A.R.L., queria dizer "Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada", depois mudada para S:A:]

Monday, March 06, 2006

Oscar Melhor Filme: «Crash - Colisão»


Intrinsecamente às escolhas dos laureados não costuma ser indiferente a gestão de um jogo de interesses que comprometem a natureza das escolhas. Contudo, este ano, a Academia escolheu um filme notável.

CRASH – Colisão contra a indiferença.

Numa sociedade anestesiada pela indiferença apenas um “crash” nos fará sentir alguma coisa.
O filme, a partir de uma colisão de veículos, analisa a colisão de raças, culturas e classes sociais.
Várias narrativas se vão cruzando apresentando-nos as relações que se estabelecem entre os personagens das várias narrativas e as narrativas entre si.
As narrativas analisam a complexidade dos estereótipos raciais, culturais e sociais que formam a maior parte dos juízos sobre os outros.
Com um humor sarcástico o filme suscita ao espectador o juízo sobre uma miríade de situações baseadas nas primeiras impressões.
Quando as expectativas se parecem adequar aos estereótipos, o filme orienta-se para a completa dimensionalidade dos personagens e da espécie humana. Os sentimentos são vividos com as personagens, em que cada um, com a sua individualidade própria, é filmado com a proximidade e solidariedade que contrariam o distanciamento e o racismo.

Um verdadeiro crash !
Jorge Matos

Maio de 68: Inscrições Murais nas Universidades - II







La politique se passe dans la rue. (1er étage Sciences Po.)
(A política passa-se na rua)

Nuit vert
Celle dês barricades…?
Nuit vert ou rouge ou bleue ou noire
Qu’importe camarades?
L’espoir de la victoire!
Cela importe camarade!!!
(Hall Richelieu. Sorbonne)
(Noite verde
Aquela das barricadas…?
Noite verde ou vermelha ou azul ou negra
Que importa camaradas?
A esperança da vitória!
Essa importa camarada!!!)

La Révolution doit se faire dans les hommes avant de se réaliser dans les choses. (Cour Sorbonne)
(A Revolução deve ser feita nos homens antes de se realizar nas coisas)

Amnistie: acte par lequel les souverains pardonnent le plus souvent les injustices qu’ils ont commises. (Sorbonne)
(Amnistia: acto pelo qual os soberanos pardoam o mais possível as injustiças que eles próprios cometeram)

Ma pensée n’est pas révolutionnaire si elle n’implique pas des actions quotidiennes dans le cadre éducatif familial et politique, et amoureux. (Education surveillée)
(O meu pensamento não é revolucionário se não implicar acções cotidianas no cadre educativo familiar e político, e amoroso)

Sunday, March 05, 2006

Utopias

Uma utopia é uma possibilidade que pode efectivar-se no momento em que forem removidas as circunstâncias provisórias que obstam à sua realização.

(Robert Musil, in introdução à obra Utopia de Thomas More)
















Revolução de Copérnico

La Quete(Jacques Brel)

Rêver Un Impossible Rêve

Porter Le Chagrin Des Départs
Brûler D'une Possible Fièvre
Partir Où Personne Ne Part
Aimer Jusqu'à La Déchirure
Aimer, Même Trop, Même Mal,
Tenter, Sans Force Et Sans Armure,
D'atteindre L'inaccessible Étoile
Telle Est Ma Quête,
Suivre L'étoile
Peu M'importent Mes Chances
Peu M'importe Le Temps
Ou Ma Désespérance
Et Puis Lutter Toujours
Sans Questions Ni Repos
Se Damner
Pour L'or D'un Mot D'amour
Je Ne Sais Si Je Serai Ce Héros
Mais Mon Cœur Serait Tranquille
Et Les Villes S'éclabousseraient De Bleu
Parce Qu'un Malheureux
Brûle Encore, Bien Qu'ayant Tout Brûlé
Brûle Encore, Même Trop, Même Mal
Pour Atteindre à S'en Écarteler
Pour Atteindre L'inaccessible Étoile.

Sonho Impossível (Chico Buarque/Maria Bethânia)

Sonhar Mais Um Sonho Impossível

Lutar Quando é Fácil Ceder
Vencer o Inimigo Invencível
Negar Quando a Regra é Vender
Sofrer a Tortura Implacável
Romper a Incabível Prisão
Voar Num Limite Provável
Tocar o Inacessível Chão
É Minha Lei, é Minha Questão
Virar Este Mundo, Cravar Este Chão
Não Me Importa Saber
Se é Terrível Demais
Quantas Guerras Terei Que Vencer
Por Um Pouco De Paz
E Amanhã Este Chão Que Eu Deixei
Por Meu Leito e Perdão
Por Saber Que Valeu
Delirar e Morrer De Paixão
E Assim, Seja Lá Como For
Vai Ter Fim a Infinita Aflição
E o Mundo Vai Ver Uma Flor
Brotar do Impossível Chão

Saturday, March 04, 2006

Maio de 68: Inscrições Murais nas Universidades - I

Ne vous emmerdez plus! Emmerdez les autres! (Nanterre)
(Não se chateiem! Chateiem os outros!)

Savez-vous qu’il existait encore dês chrétiens? (Hall. Gd Amphi. Sorbonne)
(Sabiam que ainda existem uns quantos cretinos?)

Notre espoir ne peut venir que des sans-espoir. (Hall Sciences Po.)
(A nossa esperança não pode vir senão dos desesperados)

J’aime pás écrire sur les murs. (Amphi. Musique. Nanterre)
(Não gosto de escrever nas paredes)

L’agresseur n’est pás celui qui se revolte mais celui qui affirme. (Nanterre)
(O agressor não é aquele que se revolta mas aquele que afirma)

La liberte n’est pás un bien que nous possédions. Elle est un bien que l’on nous a empêché d’acquérir à l’aide des lois, de règlements, dês préjugés, ignorance, etc… (Nanterre)
(A liberdade não é um bem que possuímos. Ela é um bem que nos impedem de adquirir com a ajuda de leis, regras, preconceitos, ignorância, etc…)

Quand le doigt montre la lune, l’IMBECILE regarde le doigt. Proverbe chinois. (Conservatoire Musique)
(Quando o dedo aponta a lua, o IMBECIL olha o dedo. Provérbio chinês.)

Les gens qui ont peur seront avec nous si nous restons forts. (Gd Hall Nlle Fac. De Médecine)
(As pessoas que têm medo estarão do nosso lado se nos mantivermos fortes)

Je décrète l’état de bonheur permanent. (Escalier. Sciences Po.)
(Decreto o estado de felicidade permanente)

Etre libré en 1968, c’est participer. (Escalier. Sciences Po.)
(Ser livre em 1968 é participar)

Un homme n’est pas stupide ou intelligent: il est libré ou il n’est pas. (Médecine)
(Um homem não é estúpido ou inteligente: ele é livre ou não é)

Make love
Not war.
(Bâtiment C. 2e ét. Nanterre)
(Faz amor.
Não a guerra)

Un révolution qui demande que l’on se sacrifie pour elle est une révolution à la papa. (Médicine)
(Uma revolução que pede que nos sacrifiquemos por ela é uma revolução à papa)

Thursday, March 02, 2006

Fernando Pessoa IV


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Wednesday, March 01, 2006

Nunca é demais recordar Mia Couto X Bush

A ASA DA LETRA

CARTA DE MIA COUTO AO PRESIDENTE BUSH


Senhor Presidente:

Sou um escritor de uma nação pobre, um país que já esteve na vossa lista negra. Milhões de moçambicanos desconheciam que mal vos tínhamos feito. Éramos pequenos e pobres: que ameaça poderíamos constituir? A nossa arma de destruição massiva estava, afinal, virada contra nós: era a fome e a miséria.
Alguns de nós estranharam o critério que levava a que o nosso nome fosse manchado enquanto outras nações beneficiavam da vossa simpatia. Por exemplo, o nosso vizinho - a África do Sul do "apartheid" - violava de forma flagrante os direitos humanos. Durante décadas fomos vítimas da agressão desse regime. Mas o regime do "apartheid" mereceu da vossa parte uma atitude mais branda: o chamado "envolvimento positivo". O ANC esteve também na lista negra como uma "organização terrorista!". Estranho critério que levaria a que, anos mais tarde, os taliban e o próprio Bin Laden fossem chamados de "freedom fighters" por estrategas norte-americanos.
Pois eu, pobre escritor de um pobre país, tive um sonho. Como Martin Luther King certa vez sonhou que a América era uma nação de todos os americanos. Pois sonhei que eu era não um homem mas um país. Sim, um país que não conseguia dormir. Porque vivia sobressaltado por terríveis factos. E esse temor fez com que proclamasse uma exigência. Uma exigência que tinha a ver consigo, Caro Presidente. E eu exigia que os Estados Unidos da América procedessem à eliminação do seu armamento de destruição massiva. Por razão desses terríveis perigos eu exigia mais: que inspectores das Nações Unidas fossem enviados para o vosso país. Que terríveis perigos me alertavam? Que receios o vosso país me inspirava? Não eram produtos de sonho, infelizmente. Eram factos que alimentavam a minha desconfiança. A lista é tão grande que escolherei apenas alguns:

- Os Estados Unidos foram a única nação do mundo que lançou bombas atómicas sobre outras nações;
- O seu país foi a única nação a ser condenada por "uso ilegítimo da força" pelo Tribunal Internacional de Justiça;
- Forças americanas treinaram e armaram fundamentalistas islâmicos mais extremistas (incluindo o terrorista Bin Laden) a pretexto de derrubarem os invasores russos no Afeganistão;
- O regime de Saddam Hussein foi apoiado pelos EUA enquanto praticava as piores atrocidades contra os iraquianos (incluindo o gaseamento dos curdos em 1998);
- Como tantos outros dirigentes legítimos, o africano Patrice Lumumba foi assassinado com ajuda da CIA. Depois de preso e torturado e baleado na cabeça o seu corpo foi dissolvido em ácido clorídrico;
- Como tantos outros fantoches, Mobutu Seseseko foi por vossos agentes conduzido ao poder e concedeu facilidades especiais à espionagem americana: o quartel-general da CIA no Zaire tornou-se o maior em África. A ditadura brutal deste zairense não mereceu nenhum reparo dos EUA até que ele deixou de ser conveniente, em 1992;
- A invasão de Timor Leste pelos militares indonésios mereceu o apoio dos EUA. Quando as atrocidades foram conhecidas, a resposta da Administração Clinton foi "o assunto é da responsabilidade do governo indonésio e não queremos retirar-lhe essa responsabilidade";
- O vosso país albergou criminosos como Emmanuel Constant, um dos líderes mais sanguinários do Haiti, cujas forças para-militares massacraram milhares de inocentes. Constant foi julgado à revelia e as novas autoridades solicitaram a sua extradição. O governo americano recusou o pedido.
- Em Agosto de 1998, a força aérea dos EUA bombardeou no Sudão uma fábrica de medicamentos, designada Al-Shifa. Um engano? Não, tratava se de uma retaliação dos atentados bombistas de Nairobi e Dar-es-Saalam.
- Em Dezembro de 1987, os Estados Unidos foi o único país (junto com Israel) a votar contra uma moção de condenação ao terrorismo internacional. Mesmo assim, a moção foi aprovada pelo voto de cento e cinquenta e três países.
- Em 1953, a CIA ajudou a preparar o golpe de Estado contra o Irão na sequência do qual milhares de comunistas do Tudeh foram massacrados.A lista de golpes preparados pela CIA é bem longa.
- Desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA bombardearam: a China (1945-46), a Coreia e a China (1950-53), a Guatemala (1954), a Indonésia (1958), Cuba (1959-1961), a Guatemala (1960), o Congo (1964), o Peru (1965), o Laos (1961-1973), o Vietname (1961- 1973), o Camboja (1969-1970), a Guatemala (1967-1973), Granada (1983), Líbano (1983- 1984), a Líbia (1986), Salvador (1980), a Nicarágua (1980), o Irão (1987), o Panamá (1989), o Iraque (1990-2001), o Kuwait (1991), a Somália (1993), a Bósnia (1994-95), o Sudão (1998), o Afeganistão (1998), a Jugoslávia (1999)
- Acções de terrorismo biológico e químico foram postas em prática pelos EUA: o agente laranja e os desfolhantes no Vietname, o vírus da peste contra Cuba que durante anos devastou a produção suína naquele país.
- O Wall Street Journal publicou um relatório que anunciava que 500 000 crianças vietnamitas nasceram deformadas em consequência da guerra química das forças norte- americanas.

Acordei do pesadelo do sono para o pesadelo da realidade. A guerra que o Senhor Presidente teimou em iniciar poderá libertar-nos de um ditador.
Mas ficaremos todos mais pobres. Enfrentaremos maiores dificuldades nas nossas já precárias economias e teremos menos esperança num futuro governado pela razão e pela moral. Teremos menos fé na força reguladora das Nações Unidas e das convenções do direito internacional. Estaremos, enfim, mais sós e mais desamparados.

Senhor Presidente:

O Iraque não é Saddam. São 22 milhões de mães e filhos, e de homens que trabalham e sonham como fazem os comuns norte-americanos. Preocupamo-nos com os males do regime de Saddam Hussein que são reais. Mas esquece-se os horrores da primeira guerra do Golfo em que perderam a vida mais de 150 000 homens. O que está destruindo massivamente os iraquianos não são as armas de Saddam. São as sanções que conduziram a uma situação humanitária tão grave que dois coordenadores para ajuda das Nações Unidas (Dennis Halliday e Hans Von Sponeck) pediram a demissão em protesto contra essas mesmas sanções.
Explicando a razão da sua renúncia, Halliday escreveu: "Estamos destruindo toda uma sociedade. É tão simples e terrível como isso. E isso é ilegal e imoral". Esse sistema de sanções já levou à morte meio milhão de crianças iraquianas. Mas a guerra contra o Iraque não está para começar. Já começou há muito tempo. Nas zonas de restrição aérea a Norte e Sul do Iraque acontecem continuamente bombardeamentos desde há 12 anos. Acredita-se que 500 iraquianos foram mortos desde 1999. O bombardeamento incluiu o uso massivo de urânio empobrecido (300 toneladas, ou seja 30 vezes mais do que o usado no Kosovo).
Livrar-nos-emos de Saddam. Mas continuaremos prisioneiros da lógica da guerra e da arrogância. Não quero que os meus filhos (nem os seus) vivam dominados pelo fantasma do medo. E que pensem que, para viverem tranquilos, precisam de construir uma fortaleza. E que só estarão seguros quando se tiver que gastar fortunas em armas.
Como o seu país, que despende 270 000 000 000 000 dólares (duzentos e setenta biliões de dólares) por ano para manter o arsenal de guerra. O senhor bem sabe o que essa soma poderia ajudar a mudar o destino miserável de milhões de seres.
O bispo americano Monsenhor Robert Bowan escreveu-lhe nofinal do ano passado uma carta intitulada "Porque é que o mundo odeia os EUA ?" O bispo da Igreja Católica da Florida é um ex-combatente na guerra do Vietname. Ele sabe o que é a guerra e escreveu: "O senhor reclama que os EUA são alvo do terrorismo porque defendemos a democracia, a liberdade e os direitos humanos. Que absurdo, Sr. Presidente ! Somos alvos dos terroristas porque, na maior parte do mundo, o nosso governo defendeu a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvos dos terroristas porque somos odiados. E somos odiados porque o nosso governo fez coisas odiosas. Em quantos países agentes do nosso governo depuseram líderes popularmente eleitos substituindo-os por ditadores militares, fantoches desejosos de vender o seu próprio povo às corporações norte-americanas multinacionais?"
E o bispo conclui: "O povo do Canadá desfruta de democracia, de liberdade e de direitos humanos, assim como o povo da Noruega e da Suécia. Alguma vez o senhor ouviu falar de ataques a embaixadas canadianas, norueguesas ou suecas? Nós somos odiados não porque praticamos a democracia, a liberdade ou os direitos humanos. Somos odiados porque o nosso governo nega essas coisas aos povos dos países do Terceiro Mundo, cujos recursos são cobiçados pelas nossas multinacionais."

Senhor Presidente:

Sua Excelência parece não necessitar que uma instituição internacional legitime o seu direito de intervenção militar. Ao menos que possamos nós encontrar moral e verdade na sua argumentação. Eu e mais milhões de cidadãos não ficámos convencidos quando o vimos justificar a guerra. Nós preferíamos vê-lo assinar a Convenção de Kyoto para conter o efeito de estufa. Preferíamos tê-lo visto em Durban na Conferência Internacional contra o Racismo.
Não se preocupe, senhor Presidente. A nós, nações pequenas deste mundo, não nos passa pela cabeça exigir a vossa demissão por causa desse apoio que sucessivos ditadores. A maior ameaça que pesa sobre a América não são armamentos de outros. É o universo de mentira que se criou em redor dos vossos cidadãos. O perigo não é o regime de Saddam, nem nenhum outro regime. Mas o sentimento de superioridade que parece animar o seu governo. O seu inimigo principal não está fora. Está dentro dos EUA. Essa guerra só pode ser vencida pelos próprios americanos.
Eu gostaria de poder festejar o derrube de Saddam Hussein. E festejar com todos os americanos. Mas sem hipocrisia, sem argumentação para consumo de diminuídos mentais. Porque nós, caro Presidente Bush, nós, os povos dos países pequenos, temos uma arma de construção massiva: a capacidade de pensar. (Carta ao Presidente Bush in "Savana" 21 Março 2003)

Quarta-feira de cinzas

Ela desatinou (Composição: Chico Buarque)

Ela desatinou, viu chegar quarta-feira
Acabar brincadeira, bandeiras se desmanchando
E ela inda está sambando
Ela desatinou, viu morrer alegrias, rasgar fantasias
Os dias sem sol raiando e ela inda está sambando
Ela não vê que toda gente, já está sofrendo normalmente
Toda a cidade anda esquecida, da falsa vida, da avenida
Onde Ela desatinou, viu morrer alegrias, rasgar fantasias
Os dias sem sol raiando e ela inda está sambando
Quem não inveja a infeliz, feliz
No seu mundo de cetim, assim,
Debochando da dor, do pecado
Do tempo perdido, do jogo acabado

Photo in http://navegarepreciso.blogs.sapo.pt/arquivo/2004_05.html