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O Pasto da Koltura do KaosInTheGarden

Thursday, March 30, 2006

O meu Poeta Carlos Tê

Assisti há pouco a um Café com Letras na Biblioteca Municipal de Algés com a presença de Carlos Tê. Não tenho por hábito participar nesse género de tertúlias, embora nada tenha contra elas, antes pelo contrário, mas confesso que desta vez a personalidade convidada me interessava particularmente. Isto porque Carlos Tê ocupa um papel importante nos meus gostos literários. No folheto dizia “Carlos Tê tem-se destacado principalmente como autor de canções”. Ora, mais do que “autor de canções”, Carlos Tê para mim é um Poeta. E é mesmo aquele poeta que melhor traduz em poesia a realidade deste tempo português que tenho atravessado. Por isso, quando chegou o momento do público interagir, eu perguntei-lhe se ele tinha algum preconceito em relação à poesia ou às letras que o levasse sempre a apresentar-se como letrista e não como poeta. Falei em preconceito com a mera intenção provocatória, no bom sentido, para ver se Carlos Tê se picava, para ver como reagia, pois eu sabia que ele não ia nem por nada gostar da palavra, muito menos aplicada à sua pessoa. E na verdade não a merecia. Imediatamente respondeu, pois tem resposta rápida para todas as perguntas, que não tinha preconceito nenhum em relação à poesia mas que a poesia era algo que ocupava um lugar superior, algures entre a narrativa e a filosofia. E que as letras obedeciam a ritmos [e a poesia também não obedece?!] E que muitos se julgavam poetas e não eram. A resposta foi tão pronta e tão categórica, e o local público afinal tão pouco convidativo a manter um diálogo, que me calei, vencida mas não convencida.
Carlos Tê revelou algumas vivências que me pareceram bastante significativas e muito despretenciosas. Nascido no seio de uma família modesta no Portugal de antes da revolução, no tal país cinzento narcotizado para a informação e para a cultura, Carlos Tê não tinha livros em casa. O seu contacto com os livros foi feito através do catálogo que o vendedor do Círculo dos Leitores lhe levava a casa. Carlos Tê passou a ler um pouco aleatoriamente o que lhe vinha parar às mãos. Mas talvez precisamente por causa disso foi aguçando o seu gosto literário. Foi no entanto a música anglo-americana que chegava de fora, o rock, os blues, que maior influência causou na sua formação cultural. Naquele tempo a música ouvia-se de letra na mão, a cantar cada palavra, e as letras daquelas músicas tinham a força de uma revolução que ainda não tinha acontecido ou que ainda não se tinha instituído. Talvez seja por isto, porque as letras dessas músicas tiveram na altura maior peso do que a poesia, que Carlos Tê insista em afirmar que é um letrista. Também porque a humildade é uma qualidade em vias de extinção que Carlos Tê parece desejar preservar. Eu também não gosto de ver ninguém a apregoar “eu sou o poeta”. Mas para mim ele é verdadeiramente um Poeta. Porque para mim há letras de músicas que são verdadeiros poemas e as letras de Carlos Tê são dessa casta. Voltando as coisas ao contrário, parece quase que o preconceito é meu, mas não é. Para mim a poesia não tem que ocupar um lugar etéreo, algures entre o céu e a terra. A poesia é tudo aquilo que eu sentir como poesia. Há letras de músicas que eu também cantava de disco na mão que são os meus poemas e não há ninguém no mundo que me possa convencer que isso não é poesia. Nem mesmo um Poeta como Carlos Tê.

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