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O Pasto da Koltura do KaosInTheGarden

Monday, February 27, 2006

Somos o mata-borrão do penico, mas o que está dito está dito

Esta semana, numa entrevista à Visão, António Lobo Antunes, ao ser confrontado com a razão pela qual não se costuma referir a “temas da actualidade”, respondeu:


Sinto que não devo usar uma página inteira de uma revista [refere-se às suas crónicas na Visão] para atacar pessoas, mas é evidente que às vezes me apetece escrever sobre esses temas. Nos últimos anos, a coisa que mais me espantou em Portugal foi o doutor Santana Lopes ter sido primeiro-ministro. Não quero falar muito porque não quero ter processos, mas como é que aquele homem com todo o seu cortejo chega a primeiro-ministro? (…) É uma figura tão pobre que nem sequer uma personagem de livro dava.
http://olivier.roller.free.fr/loboantunes.html

(Visão, 23/02/2006)

Pois é, ó Lobo Antunes, há penicos onde não apetece nada metermos as mãos. O pior é que, depois desse Carnaval que foi o governo de Santana Lopes, já deves ter tido muitos mais motivos com que te espantar: a vitória de Cavaco Silva, as vitórias de Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras, Isaltino Morais e outros bandos que tais. Tudo figuras muito pobres que, por acaso, não ficariam nada mal nos teus livros. Tu saberias como alimentá-las da sua própria pobreza, e nem terias muito trabalho a hiperbolizá-las pois já são monstruosas. Claro que não precisas de te referir a elas directamente. Para isso está cá o pessoal dos blogs que não tem pretensões a “grandes escritores”. Encontram-se todas essas características veladas no grotesco das personagens que tu, e muito bem, bem preferes inventar. Tu absorves a realidade e produzes seres abjectos que exprimem por si próprios esta realidade abjecta que nos contamina a todos. Como tu dizes sobre ti próprio, pela boca de uma dessas tuas personagens, na tua crónica O Grande Escritor – “Tenho lá um escritor que bebe o mundo como um mata-borrão”. Por isso o melhor é continuares sem meter as mãos no penico. Porque um “grande escritor” para o ser tem que ser livre, deve escrever aleatoriamente as suas crónicas com a anarquia que lhe apetecer, ninguém lhe pode "cobrar" que fale explicitamente sobre a realidade. Também aqui o fazemos, aleatoriamente à nossa maneira, metendo as mãos no penico. E cada vez temos menos medo de ter processos. Afinal, ao contrário de qualquer “grande escritor”, é a nossa condição “anónima” [não somos ninguém, ninguém se importa com o que dizemos] que nos faz sentir livres. E se ainda assim vier o tal processo, somos tão rascas, tão rascas, que não pagamos! Não pagamos! O pior que nos podem fazer é levarem-nos o computador, como fizeram aos jornalistas do 24 Horas. Mas o que foi dito, foi dito.

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